Pode parecer cômico à primeira vista. Por que ensinar a “geração conectada” a usar o computador? A resposta é simples: essa geração não sabe usar a tecnologia, ela depende dela. E há uma diferença enorme entre as duas coisas.
“Lá vem o Pedro criticar gerações!”
Nada disso. O objetivo é analisar comportamentos geracionais e refletir sobre como podemos melhorar a educação, tanto para nós, educadores, quanto para os próprios estudantes. Esse problema, se ignorado, pode prejudicá-los seriamente.
A surpresa
Ela veio há cerca de dois anos. Até então, eu ministrava aulas para adultos. Com a chegada de adolescentes nas turmas, surgiu uma situação curiosa: em turmas mistas, os alunos mais velhos (a partir dos 26 anos) costumavam chegar receosos ao ver os jovens. Comentavam:
“Ah, com essa gurizada vai ser difícil acompanhar, eles sabem muito mais!”
Mas o que aconteceu foi o contrário. Muitos desses jovens, que “iriam detonar”, não sabiam sequer ligar o computador. Não sabiam o que era baixar um arquivo, descompactar ou até mesmo o que significava a palavra “navegador”.
A cena marcante
Certa vez, ao pedir uma apresentação em slides, uma aluna se irritou por ter que usar o computador. Desligou o equipamento e começou a montar tudo pelo celular. Me aproximei e perguntei, curioso:
“Você consegue enxergar direitinho nessa telinha?”
Porque, sinceramente, tem coisa que só com uma tela grande mesmo. Mas são diferenças de geração.
Qual é a real preocupação?
Mesmo que não seja intencional, essa geração cresceu com a praticidade do celular. As buscas, as soluções do dia a dia, tudo é feito por ali. Porém, no mundo profissional, as coisas não funcionam assim.
No mercado de trabalho, dificilmente alguém dirá: “Não sabe usar computador? Faz no celular mesmo.”
Saber o básico do computador é essencial. Antes, era esperado que todos tivessem conhecimento em informática. Destacava-se quem dominava o pacote Office, por exemplo. Hoje, saber descompactar um arquivo .RAR já é uma vitória.
O contraste entre regiões
Mas nem todos estão nessa situação. Quando comecei a dar aulas na região de Braço do Norte, percebi a diferença. Os adolescentes de lá sabiam, e bem, usar o computador. Muitos com boas noções de Excel, inclusive.
Ao perguntar como aprenderam, a resposta, quase unânime, foi:
“Meus pais me colocaram num curso de informática quando eu fiz 13 ou 14 anos.”
Estamos falando de uma cidade a 40 minutos de Tubarão ou Capivari de Baixo. Mas a visão dos pais foi outra: optaram por dar aos filhos uma formação básica em tecnologia.
Aqui, depois de algumas experiências em sala, conversei com a coordenação e incluímos noções de informática básica em alguns cursos. Nas turmas mistas, os mais jovens frequentemente ficavam para trás, isso não pode acontecer. E quando falamos de ferramentas como o pacote Adobe (Photoshop, Illustrator…), ou mesmo Canva e CapCut no computador, essas noções são indispensáveis.
“Meu filho faz tudo no celular!”
Fazer no celular nem sempre é entender o que está fazendo. Questione. Observe até onde seu filho compreende os aplicativos que usa. Será que conseguiria usar as mesmas ferramentas no computador?
Não é necessário dar aulas completas de informática, mas é importante entender o que eles sabem e o que não sabem. Oriente. E, se possível, siga o exemplo dos pais de Braço do Norte: matricule em um curso de informática. Isso é preparar para o futuro.
O que não podemos é deixá-los descobrir essa deficiência já dentro de um escritório, enfrentando dificuldades com ferramentas básicas.
Quanto mais souberem, mais preparados estarão.
Usar tecnologia é diferente de entender tecnologia
Hoje, muitos jovens são dependentes da tecnologia, mas não dominam seu funcionamento.
As aulas nem eram sobre informática, mas o uso do computador era necessário, e ao final do curso, vários adolescentes me agradeceram. Diziam que, só por saber mexer melhor nos computadores, já sentiam a diferença no trabalho.
Essa missão também é nossa
É ótimo que eles tenham facilidade com os celulares. Isso ajuda, e muito. Gravar, editar e publicar vídeos direto do celular é fantástico.
Mas como não viveram a transição da tecnologia, cabe a nós apresentar as ferramentas do mundo profissional.
Nem toda escola vai conseguir dar esse suporte. Então, alguns precisarão do nosso apoio direto, ou de cursos específicos. E o investimento vale a pena, pois eles serão os próximos profissionais do mercado.
Você já ouviu o termo “storytelling”? Imagino que sim. O termo em inglês teve intensa popularização nos últimos anos, principalmente no marketing, intensificando a necessidade de contar histórias cativantes, com narrativas que prendem o público, para vender ideias e/ou produtos.
Bom, deixarei o estrangeirismo de lado e focarei no bom e velho termo “contar histórias”. E não falarei sobre o uso nas vendas (pois sim, ajuda muito a cativar o público), mas na educação! Explicações, quando atreladas a uma narrativa envolvente, conseguem transmitir a ideia com mais facilidade.
Trabalho com escrita e histórias há bons anos, mais de uma década, e nesse ramo, grande parte do trabalho não está em sentar e escrever, mas em observar. Prestar atenção em fatos, movimentos, ações, para que essas referências se transformem em conteúdo nos textos. Há alguns anos, passei a observar com mais atenção a forma como as matérias são explicadas nas instituições de ensino, independentemente da área e da disciplina. Percebi que, quando um conceito mais complexo era explicado por meio de uma narrativa elaborada, o clássico “contar uma historinha”, os alunos aprendiam melhor. E, ao falar em historinha, não me restrinjo à educação infantil; refiro-me principalmente a adolescentes e adultos.
Quem nunca teve aquela matéria com um conteúdo em que você tentava entender o que o educador dizia, mas simplesmente não compreendia? Chega um momento em que você nem quer mais perguntar por vergonha. (Aliás, não tenham vergonha de perguntar quantas vezes forem necessárias. E, se der vergonha, espere e questione fora da aula. Não fique com a dúvida.) Isso é comum, muitas vezes, a dificuldade está apenas na forma como a mensagem está sendo transmitida.
Um exemplo que me virou a chave sobre isso, e me motivou a falar mais do tema, foi quando meu irmão mais novo estava no ensino médio. Ele já tinha uma dificuldade quase tradicional em matemática e, quando entrou um professor substituto, suas notas melhoraram de repente. Curioso, perguntei o motivo da melhora com aquele educador, e a resposta foi bem interessante: “Ele não fala só a fórmula. Ele me conta a história da formação daquela fórmula e explica cada elemento. Como é uma história, eu decoro, aí se torna mais fácil.” Aquela fala me marcou muito. O professor, que nunca cheguei a conhecer pessoalmente, estava usando a arte de contar histórias para ensinar matemática, melhorando a memorização das fórmulas de alunos que antes tinham dificuldades.
E, aos professores que estão lendo: claro, não podemos ficar apenas no mundo teórico e mágico. Compreendo bem como é o dia a dia em sala de aula, pois também é a minha rotina. Sei que nem sempre conseguimos fazer tudo o que planejamos, porque cada turma é uma realidade. Mas a construção de narrativas é um exercício. Precisamos aprimorar continuamente a forma como estruturamos nossas explicações, pois com o tempo, isso se torna algo tão natural que, mesmo cansados e na correria de uma aula para outra, a história surge automaticamente ao explicarmos algo complexo.
Esse é um dos motivos pelos quais as clássicas “musiquinhas” cantadas pelos professores, principalmente aos vestibulandos, são tão importantes. Assim como as histórias, as músicas ficam na memória e facilitam a fixação de conteúdos. Canções sobre gramática, química, física... são ótimas para nos ajudar a lembrar, e algumas nos acompanham para o resto da vida.
Quando ministro workshops sobre “Storytelling na Educação”, o mais interessante é ver como educadores de diversas áreas conseguem adaptar seus conteúdos em histórias educativas. É gratificante ver os profissionais se divertindo ao criar narrativas onde conseguem explicar desde a medição de uma área até a importância dos glóbulos vermelhos.
Inclusive, quando o assunto é sistema imunológico, gosto muito de trazer o exemplo do filme Osmose Jones (2001), pois ele apresenta de forma lúdica como o nosso corpo combate um vírus com o auxílio de uma medicação. O filme se permite brincar com elementos fantasiosos, mas sua essência ensina muito.
Para finalizar: foquei em como a forma com que explicamos impacta positivamente a educação, pois é a minha área. Mas, com certeza, se fizermos esse exercício, tornaremos as explicações de qualquer situação mais atrativas, mais envolventes e mais memoráveis para o ouvinte. Seja em apresentações profissionais, reuniões de trabalho, palestras... Afinal, somos feitos de histórias e, naturalmente, gostamos de ouvir boas histórias!
E você, já teve algum caso em que uma narrativa te cativou?
Na coluna anterior, falei sobre inteligência artificial e seus impactos no aprendizado. Hoje, retomo um ponto que já observava antes do boom do ChatGPT: a urgência de estimularmos o imaginário para desenvolver a capacidade de resolver problemas.
Quando criança, eu e os amigos criávamos personagens, histórias e contextos. Imaginávamos cenas em nossas brincadeiras, fossem com bonecos ou correndo pelos terrenos. Inclusive, nos pendurávamos em antenas para gritar “Terra à vista!”, imaginando estar em um navio. Na época, parecia só brincadeira. Mas hoje percebo que aquilo ativava um repertório mental riquíssimo, alimentado por filmes, desenhos, quadrinhos e livros.
Com o tempo, essa habilidade de conectar referências virou uma ferramenta para conversar com diferentes pessoas, o famoso repertório de assuntos. Também passou a ajudar no enfrentamento de situações novas e na busca por soluções criativas, mesmo para problemas simples do dia a dia. Até mesmo para elaborar argumentos quando alguém te questiona algo. E não se limita aos benefícios profissionais, pois essa criatividade ajuda também no cotidiano. Pensar algo novo para casa, resolver um problema doméstico ou bolar uma boa “gambiarra”.
Há alguns anos, observando meus sobrinhos com seus amigos, comecei a perceber que, por mais animados e brincalhões que fossem, faltava uma amplitude imaginativa nas brincadeiras. Elas eram limitadas. Fiquei observando e, depois, refleti sobre o que consumiam: menos desenhos e filmes, pouca literatura e muito mais jogos. Contudo, os jogos já são bem diferentes dos antigos. Agora são mais realistas e praticamente prontos. Você tem todas as ferramentas ali, sem precisar imaginar além do que o jogo oferece. São filmes jogáveis, com a história definida. (Não diminuo, pelo contrário: é uma indústria que já superou a cinematográfica.)
Mas o ponto é que eles jogam, mas não inventam. Reproduzem o que consomem em vez de criar algo novo. A criatividade cede espaço à simulação.
Na sala de aula, a percepção se repete. Muitos estudantes têm dificuldade em imaginar situações, e não apenas soluções. Quando propomos um cenário fictício, há um bloqueio. A imaginação parece enfraquecida, e isso impacta diretamente a escrita, a oralidade, o raciocínio lógico e até a autoestima acadêmica.
É por isso que defendo o uso de narrativas, personagens e jogos simbólicos como estratégias pedagógicas. Atividades simples, como propor um cenário X com personagens Y que enfrentam um desafio Z, já exigem que o aluno projete, pense, imagine. E o resultado é sempre surpreendente: apresentações diferentes, soluções criativas, pluralidade de perspectivas.
A imaginação, acompanhada de referências, é uma aliada poderosa. E aqui destaco a importância da leitura. Ela ajuda na resolução de atividades, na construção de redações, na montagem de apresentações. Em outras palavras, permite enxergar soluções com mais facilidade. A leitura se torna fundamental nesse momento, pois exige a criação dos cenários narrados. Isso é algo único. Por mais semelhantes que sejam as visões de um cenário ou personagem descrito, elas nunca serão 100% iguais entre dois leitores.
Mas não me limito só aos alunos. Isso vale para todos nós. A imaginação também precisa ser exercitada por quem ensina, sejam educadores ou pais. Devemos buscar formas de transmitir as mensagens com mais criatividade e tornar os conteúdos mais atrativos. Seja por meio de narrativas diferenciadas, da criação de histórias para explicar um processo (uso do storytelling), precisamos trazer esses exemplos para dentro das práticas educativas.
Atividades básicas, como apresentar um cenário X com personagens Y e pedir que, incorporando esses personagens, os alunos resolvam determinados problemas, já são ótimas metodologias. A simples atividade de se imaginarem naquele papel, em um cenário que exige soluções não pré-determinadas, já os faz pensar em caminhos muito diferentes para resolver um mesmo problema. E o mais interessante é que, nas turmas, acompanhamos essa pluralidade nas múltiplas apresentações. Uma é muito diferente da outra.
Estamos vivendo uma era de respostas prontas, com pouco espaço para o inusitado. Mas a realidade não é um jogo com caminhos programados. Nossos alunos, filhos e colegas precisam saber criar seus próprios mapas.
E isso começa com algo da nossa natureza: imaginar.
Atividades feitas pelo GPT, respostas prontas, padrões claros da IA mantidos nas respostas… Esse é um cenário comum para muitos professores que, ao corrigirem os trabalhos dos alunos e, conhecendo a linguagem própria de cada um e suas formas de escrever, percebem que a respostas não são originais.
Não serei hipócrita ao dizer que não devemos usar a IA. Pelo contrário, ela já se tornou uma ferramenta de trabalho, e as novas demandas muitas vezes já consideram o tempo do profissional utilizando essas tecnologias. Porém, isso é pauta para outro artigo.
No cenário escolar, independentemente da área, os professores comentam a mesma coisa: os alunos estão usando o GPT para tudo, e, quando precisam fazer algo sem ajuda, não sabem como. Inclusive, um colega da área de T.I. não passa mais trabalhos para casa, pois, quando passa, os alunos montam a programação com a IA e, na hora de fazer em sala, não conseguem executar. Já nas áreas sociais, conversando com um professor de Direito, ele relatou o quanto os alunos estão dependentes do chat, sem aprender ou sequer ler a resposta gerada, não estão aprendendo nem o suficiente para formular uma pergunta corretamente.
CHAT É PROMPT
Quer uma boa resposta da IA? Escreva um bom prompt. Detalhe muito bem o que você quer, como deseja, para qual finalidade, com o máximo de informações possível. Aí sim, terá uma boa resposta. Entretanto, para fazer uma pergunta bem formulada, é preciso ter conhecimento prévio. O problema é que muitos nem ao menos leem o que o chat gera; copiam e colam sem corrigir erros que a IA pode apresentar ou ao menos “disfarçar” os vícios de linguagem comuns dessas ferramentas. Contudo, para corrigir esses vícios, é necessário ler.
Assim como a geração anterior aprendia a ler mais cedo, pois essa era a única forma de acessar certos conteúdos, as seguintes passaram a ler mais tarde, pois já contavam com celulares que liam as respostas buscadas no Google. A geração mais nova nem sequer quer ler, pois sua IA faz tudo. E o problema está aí: quando a IA faz tudo, você vira refém dela, pois não tem o conhecimento necessário para fazer boas perguntas.
COM A IA, BUSCADORES VIRAM MECANISMOS DE RESPOSTAS
No mês passado, li uma notícia que me fez perceber algo que está diante de nós, mas que muitas vezes não notamos no dia a dia. O que antes buscávamos diretamente no Google, agora perguntamos à IA, e ela nos entrega a resposta pronta.
Um relatório da SimilarWeb apontou que os mecanismos de busca tradicionais tiveram um declínio de 6,4% entre março de 2022 e março de 2025. O chefe de serviços da Apple, Eddy Cue, afirmou que as buscas no navegador padrão da Apple (Safari) caíram pela primeira vez na história. Enquanto isso, o Perplexity AI, um dos principais mecanismos de busca, ou melhor, de respostas, teve um crescimento de 205% entre março de 2024 e março de 2025, alcançando 160 milhões de visitas mensais.
Isso apenas reforça o quanto estamos buscando respostas prontas, o que impacta diretamente na qualidade dos trabalhos entregues pelos estudantes.
USE COMO UM SUPORTE, NÃO COMO BENGALA
Para finalizar, algo que sempre reforço com meus alunos é: usem a IA para agilizar, corrijam a ortografia e a gramática. Entretanto, estudem. Saibam o conteúdo para que possam criar boas perguntas e identificar quando algum detalhe da resposta não faz sentido. Utilizem a ferramenta para melhorar o que foi feito, mas não para fazer por vocês.
A educação evolui constantemente. Como educadores, precisamos evoluir também, compreender as novas tecnologias e saber como utilizá-las para aprimorar nossas aulas. Um exemplo são os slides com apoio de IA, como o Gamma.app, que economizam tempo em algo que antes levava horas. Mas, até para montar o prompt de um slide, é preciso compreender não só o conteúdo, mas também a estrutura desejada.
Ou seja, tecnologias morrem e surgem, mas, se não garantirmos nosso conhecimento teórico e prático, deixaremos de ser autônomos para nos tornarmos reféns.
E você, já analisou o quanto está dependente das IAs?
Na Próxima Aula
Professor, redator e videomaker. Trabalha na área de pesquisa e educação desde 2014, é autor do livro "Lex Derner: O Arqueólogo do Futuro" e da newsletter sobre cultura e educação Depois do Cafezinho. Quando pode, gosta de gravar dicas literárias.