O endividamento já faz parte da realidade de milhões de brasileiros. As contas se acumulam, os juros crescem e, muitas vezes, a renegociação surge como única saída. Mas nem sempre o acordo oferecido pelo credor é a melhor solução. O que pouca gente sabe é que existe um conjunto de normas que protege o consumidor nessas situações, e conhecê-las pode fazer toda a diferença na hora de negociar.
O Código de Defesa do Consumidor garante que contratos possam ser revistos quando contêm cláusulas abusivas ou que se tornaram excessivamente onerosas. Isso significa que, mesmo que o contrato tenha sido assinado, ele não é imutável. Se os juros cobrados são desproporcionais ou as condições são injustas, é possível questioná-los, inclusive na Justiça. Esse direito foi reforçado pela Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), que criou instrumentos para equilibrar a relação entre credores e devedores.
Quando falamos de renegociação, é preciso olhar também para o tipo de dívida. Nos financiamentos de imóveis ou veículos, por exemplo, o risco de perder o bem torna a negociação mais urgente. Já em dívidas de cartão de crédito, que costumam ter os juros mais altos do mercado, vale analisar se o acordo realmente reduz o valor final ou apenas prolonga o problema. Hoje, os tribunais têm reconhecido a ilegalidade de taxas abusivas, o que dá ao consumidor um argumento importante na hora de negociar.
Se a conversa com o banco ou a financeira não avança, a lei prevê uma alternativa: o consumidor pode apresentar um plano de pagamento diretamente ao Judiciário. Nesse caso, o juiz chama todos os credores para uma audiência e o acordo precisa respeitar o chamado “mínimo existencial”, uma quantia que garante condições básicas de vida antes de destinar recursos para o pagamento das dívidas. Essa medida evita que a pessoa fique sem meios de subsistência apenas para quitar débitos.
É claro que a proteção legal não é um salvo-conduto para quem age de má-fé. O devedor precisa ser transparente e comprovar sua real situação financeira. Quando há tentativa de ocultar informações ou fraudar credores, a Justiça tende a rejeitar pedidos de revisão ou repactuação. Em outras palavras, a lei protege quem busca negociar de forma honesta e equilibrada.
Renegociar é, portanto, mais do que aceitar a primeira proposta que aparece. É um ato que exige análise, planejamento e, muitas vezes, orientação profissional. Conhecer os seus direitos torna o processo mais seguro e aumenta as chances de um acordo justo. Afinal, sair do endividamento não é apenas pagar o que se deve: é recuperar a tranquilidade e recomeçar com mais consciência sobre as próprias finanças.
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é amparado no Brasil por um sólido arcabouço legal que assegura direitos fundamentais às pessoas autistas, especialmente no acesso à saúde e à educação. Leis como a nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana) e a nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão) equiparam, para fins legais, as pessoas com TEA às pessoas com deficiência, garantindo-lhes prioridade em políticas públicas. Contudo, embora os direitos estejam previstos na legislação, sua efetivação ainda encontra barreiras significativas na prática.
No campo da saúde, o acesso a terapias multiprofissionais — como psicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional — é assegurado tanto pelo Sistema Único de Saúde (SUS) quanto pelos planos de saúde, conforme regulamentação da ANS. Ainda assim, é comum que famílias encontrem recusas administrativas e negativas de cobertura, muitas vezes sob justificativas infundadas ou burocráticas. Quando isso ocorre, a via judicial tem se mostrado eficaz para garantir o tratamento necessário, mediante decisões que impõem, inclusive, multa diária ou bloqueio de verbas públicas.
A judicialização tem amparo constitucional e infraconstitucional, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, proteção integral da criança e direito universal à saúde. Tribunais de todo o país vêm reconhecendo o dever do Estado e dos planos de saúde de fornecer os tratamentos indicados por especialistas, independentemente de limitações contratuais ou estruturais. Nesses casos, o Judiciário atua não como substituto do administrador, mas como garantidor da legalidade e da efetividade do direito fundamental violado.
Na área da educação, a legislação também assegura o direito à matrícula em escolas regulares, ao desenvolvimento de um plano pedagógico individualizado (PEI) e à presença de profissionais de apoio escolar, como cuidadores e mediadores, sem qualquer custo adicional à família. Apesar disso, muitas instituições ainda praticam condutas excludentes, negando matrícula ou omitindo-se quanto à adaptação do ensino. Nestes casos, a intervenção judicial tem garantido liminarmente o cumprimento das obrigações pedagógicas, além de reconhecer danos morais pela violação do direito à inclusão.
Garantir o acesso pleno à saúde e à educação para crianças com autismo não é um favor — é um dever legal. Pais, responsáveis e profissionais da área jurídica devem estar atentos e agir com firmeza diante de qualquer negativa ou omissão. A judicialização, quando necessária, é um instrumento legítimo para transformar o que está na lei em realidade. Conhecer os direitos é o primeiro passo; exigir seu cumprimento é o próximo. Se você enfrenta alguma dessas dificuldades, busque orientação jurídica e não hesite em fazer valer o que a legislação já assegura.
As investigações conduzidas pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) identificaram mais de 18 mil possíveis fraudes no programa Universidade Gratuita e no FUMDESC, com destaque para beneficiários que apresentaram patrimônio declarado incompatível com os critérios de vulnerabilidade exigidos pela legislação.
Entre os casos mais alarmantes estão estudantes com bens superiores a R$ 1 milhão — alguns ultrapassando os R$ 10 milhões — que cursavam gratuitamente instituições privadas de ensino superior por meio de um programa voltado a famílias de baixa renda.
O prejuízo estimado aos cofres públicos ultrapassa R$ 320 milhões, valor que deverá ser objeto de ressarcimento.
Do ponto de vista jurídico, os envolvidos podem ser responsabilizados em múltiplas esferas. Na seara administrativa, aqueles que obtiveram o benefício de forma irregular devem devolver integralmente os valores recebidos, corrigidos monetariamente, conforme previsão da própria Lei Complementar nº 831/2023, que rege o programa.
Além disso, o Estado poderá suspender o benefício de forma imediata e até mesmo bloquear futuras renovações, como forma de proteger o erário e preservar a moralidade administrativa.
Na esfera penal, a conduta de quem apresentou informações falsas ou omitiu dados relevantes para acessar o benefício poderá configurar o crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal, cuja pena varia de 1 a 5 anos de reclusão, além de multa. A depender do contexto, também pode ser caracterizada a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da administração pública, o que pode ensejar responsabilização por estelionato (art. 171) e associação criminosa (art. 288), especialmente se ficar comprovado que houve atuação articulada por parte de consultorias ou servidores para viabilizar os acessos fraudulentos.
O Ministério Público de Santa Catarina, já acionado pelo TCE e pela Procuradoria-Geral do Estado, poderá ajuizar ações penais contra os responsáveis, além de promover ações civis públicas com pedido de ressarcimento ao erário, bloqueio de bens e eventual indenização por dano moral coletivo. Também poderão ser responsabilizados os agentes públicos ou instituições de ensino que, por omissão ou conivência, tenham contribuído para a concessão indevida dos benefícios. Consultorias privadas que atuaram de forma dolosa orientando a fraude também estão sujeitas a sanções administrativas, cíveis e criminais.
Por fim, o episódio reforça a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de controle e transparência em políticas públicas baseadas em critérios socioeconômicos. A fraude praticada por pessoas com alto poder aquisitivo não apenas desvia recursos de quem efetivamente precisa, mas compromete a credibilidade de programas essenciais para a redução das desigualdades no acesso à educação superior. A responsabilização exemplar dos envolvidos, em todas as frentes cabíveis, é fundamental não apenas para reparar os danos causados, mas também para desestimular a repetição desse tipo de conduta e reafirmar o compromisso do Estado com a legalidade e a justiça social.
Os feriados prolongados, além de proporcionarem momentos de lazer e descanso, costumam intensificar o fluxo de veículos nas rodovias e, consequentemente, as fiscalizações por parte das autoridades de trânsito.
Por essa razão, é fundamental que os motoristas estejam atentos às exigências legais para evitar autuações indevidas, apreensão do veículo ou até situações mais graves que possam comprometer o direito de dirigir.
O primeiro cuidado deve ser com a documentação obrigatória. Conforme o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o condutor deve portar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida e compatível com a categoria do veículo, bem como o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) do exercício vigente, seja em formato físico ou digital, nos termos da Resolução CONTRAN nº 809/2020.
A falta desses documentos configura infração passível de multa e retenção do veículo, e a ausência de licenciamento regular ainda pode gerar remoção ao pátio, além de penalidade gravíssima.
Outro ponto de grande relevância são as abordagens e fiscalizações em blitz. Embora o agente de trânsito tenha o dever de zelar pela segurança viária e possa solicitar a apresentação de documentos e verificar os equipamentos obrigatórios, é importante lembrar que a realização de buscas no interior do veículo só é admitida em hipóteses específicas, como em situações de flagrante delito, fundada suspeita de crime ou mediante mandado judicial.
O motorista não tem o dever de consentir com buscas arbitrárias, e a simples recusa não caracteriza qualquer infração ou ilícito penal. A filmagem da abordagem, desde que não interfira na atuação dos agentes e seja feita com respeito, é uma prerrogativa do cidadão e pode servir de elemento probatório em eventual questionamento judicial ou administrativo.
O consumo de bebida alcoólica antes de dirigir continua sendo um dos principais fatores de autuação e acidentes nas rodovias durante feriados.
O CTB, em seus artigos 165 e 165-A, adota o princípio da tolerância zero, estabelecendo multa de R$ 2.934,70, suspensão do direito de dirigir por 12 meses e outras penalidades para quem for flagrado dirigindo sob efeito de álcool ou se recusar a realizar os testes de alcoolemia ou perícia. Em casos em que o índice de alcoolemia seja superior ao permitido (acima de 0,3 mg/l no teste do bafômetro), o condutor poderá ainda responder pelo crime previsto no art. 306 do CTB, com pena de detenção de seis meses a três anos.
A jurisprudência dos tribunais superiores, inclusive, tem admitido a imposição das penalidades administrativas por recusa ao teste, desde que a autuação esteja fundamentada em elementos concretos que demonstrem a materialidade da infração.
No que diz respeito ao transporte de passageiros, destaca-se a obrigatoriedade do uso de cinto de segurança por todos os ocupantes do veículo, inclusive os do banco traseiro, conforme o art. 167 do CTB.
Além disso, o transporte de crianças deve obedecer às normas do art. 64 do CTB e da Resolução CONTRAN nº 819/2021, que impõem o uso de dispositivos de retenção adequados à idade e à estatura, como cadeirinhas e assentos de elevação. O descumprimento dessas regras configura infração gravíssima, com multa e retenção do veículo até a regularização da situação. Nas viagens longas, esses cuidados são imprescindíveis não apenas para evitar autuações, mas sobretudo para garantir a segurança de todos.
Por fim, convém destacar a necessidade de atenção às condições do veículo antes de iniciar a viagem. Pneus em mau estado, iluminação inoperante, excesso de peso ou carga mal acondicionada estão entre os principais motivos de autuações e remoção do veículo, nos termos dos arts. 223, 230 e 231 do CTB.
Em qualquer autuação, o condutor tem o direito de receber cópia do auto de infração no momento da lavratura, o que é essencial para a formulação de eventual defesa administrativa. Com planejamento e observância das normas jurídicas, o motorista garante não apenas uma viagem tranquila, mas também o pleno exercício de seus direitos e deveres no trânsito.
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, tornou-se uma das figuras centrais nas investigações que cercam o ex-mandatário. Ocupando um cargo de extrema confiança, Cid esteve presente em momentos estratégicos do governo e tinha acesso direto a decisões e documentos importantes. Em 2023, após ser preso por suspeita de fraudes nos cartões de vacinação de Bolsonaro e seus familiares, ele decidiu firmar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal — colaboração posteriormente homologada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A delação premiada, ou colaboração premiada, é um instrumento jurídico voltado ao combate de crimes praticados por organizações criminosas. Por meio dela, um investigado ou réu concorda em colaborar com as autoridades, revelando informações relevantes sobre a autoria ou materialidade de crimes, em troca de benefícios como redução de pena, perdão judicial, ou regime de cumprimento mais brando.
Engana-se, porém, quem pensa que a delação se aplica apenas a casos de corrupção envolvendo autoridades. O mecanismo pode ser utilizado em qualquer crime praticado em contexto de organização criminosa — incluindo tráfico de drogas, furtos praticados em quadrilha, lavagem de dinheiro, extorsão e até crimes cibernéticos. Sua utilidade reside justamente em obter informações de dentro da estrutura criminosa, possibilitando à investigação alcançar membros de maior escalão ou desmantelar esquemas em curso.
A delação pode ser feita não apenas ao Ministério Público, mas também à autoridade policial — como delegados da Polícia Federal ou das Polícias Civis. No entanto, em todos os casos, o Ministério Público deve concordar com os termos, e o Judiciário é responsável por homologar o acordo.
O acordo precisa ser voluntário, sem coação, e apresentar resultados concretos ou ao menos promissores. O colaborador deve oferecer provas, indicar caminhos para apuração de novos crimes, revelar localização de bens ocultos ou identificar outros envolvidos. O juiz pode, ao fim do processo, conceder ou negar os benefícios previstos, a depender da efetividade da colaboração. No caso de Mauro Cid, embora haja críticas e controvérsias, a Justiça considerou seus relatos úteis para o avanço das investigações.
Vale ressaltar que a delação não tem valor de prova por si só — ela serve como ponto de partida para produção de provas adicionais. O conteúdo dos depoimentos precisa ser verificado, cruzado com documentos, áudios, mensagens ou testemunhos. O delator também pode perder os benefícios se mentir, omitir fatos relevantes ou se a colaboração não produzir os efeitos esperados.
A colaboração de Mauro Cid ilustra, do ponto de vista jurídico, o funcionamento da delação premiada no ordenamento brasileiro. Trata-se de um instrumento legal relevante para a obtenção de provas e avanço de investigações complexas, mas que deve ser aplicado com rigor, cautela e controle judicial, a fim de assegurar sua legitimidade e evitar distorções na concessão de benefícios a colaboradores também envolvidos nos crimes apurados.
Entre Linhas & Liminares
Interpretação do Direito além do texto da lei, revelando os impactos concretos das decisões judiciais na vida das pessoas. Um espaço onde a técnica encontra a realidade — e o Direito ganha voz.