O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro, tornou-se uma das figuras centrais nas investigações que cercam o ex-mandatário. Ocupando um cargo de extrema confiança, Cid esteve presente em momentos estratégicos do governo e tinha acesso direto a decisões e documentos importantes. Em 2023, após ser preso por suspeita de fraudes nos cartões de vacinação de Bolsonaro e seus familiares, ele decidiu firmar um acordo de delação premiada com a Polícia Federal — colaboração posteriormente homologada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A delação premiada, ou colaboração premiada, é um instrumento jurídico voltado ao combate de crimes praticados por organizações criminosas. Por meio dela, um investigado ou réu concorda em colaborar com as autoridades, revelando informações relevantes sobre a autoria ou materialidade de crimes, em troca de benefícios como redução de pena, perdão judicial, ou regime de cumprimento mais brando.
Engana-se, porém, quem pensa que a delação se aplica apenas a casos de corrupção envolvendo autoridades. O mecanismo pode ser utilizado em qualquer crime praticado em contexto de organização criminosa — incluindo tráfico de drogas, furtos praticados em quadrilha, lavagem de dinheiro, extorsão e até crimes cibernéticos. Sua utilidade reside justamente em obter informações de dentro da estrutura criminosa, possibilitando à investigação alcançar membros de maior escalão ou desmantelar esquemas em curso.
A delação pode ser feita não apenas ao Ministério Público, mas também à autoridade policial — como delegados da Polícia Federal ou das Polícias Civis. No entanto, em todos os casos, o Ministério Público deve concordar com os termos, e o Judiciário é responsável por homologar o acordo.
O acordo precisa ser voluntário, sem coação, e apresentar resultados concretos ou ao menos promissores. O colaborador deve oferecer provas, indicar caminhos para apuração de novos crimes, revelar localização de bens ocultos ou identificar outros envolvidos. O juiz pode, ao fim do processo, conceder ou negar os benefícios previstos, a depender da efetividade da colaboração. No caso de Mauro Cid, embora haja críticas e controvérsias, a Justiça considerou seus relatos úteis para o avanço das investigações.
Vale ressaltar que a delação não tem valor de prova por si só — ela serve como ponto de partida para produção de provas adicionais. O conteúdo dos depoimentos precisa ser verificado, cruzado com documentos, áudios, mensagens ou testemunhos. O delator também pode perder os benefícios se mentir, omitir fatos relevantes ou se a colaboração não produzir os efeitos esperados.
A colaboração de Mauro Cid ilustra, do ponto de vista jurídico, o funcionamento da delação premiada no ordenamento brasileiro. Trata-se de um instrumento legal relevante para a obtenção de provas e avanço de investigações complexas, mas que deve ser aplicado com rigor, cautela e controle judicial, a fim de assegurar sua legitimidade e evitar distorções na concessão de benefícios a colaboradores também envolvidos nos crimes apurados.
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